Tempos férteis, difíceis e gravídicos no Jornalismo
Convergência de mídias e responsabilidade profissional
O filósofo Mario Sérgio Cortella reflete, em uma de suas obras, que "tempos difíceis são também tempos gravídicos", ou seja, dos desafios e dificuldades extraímos soluções, aprimoramos as existentes e nos reinventamos. Essa reflexão traz uma importante orientação para o momento em que o exercício da profissão de jornalista passa por desafios e readequações. O primeiro está relacionado às novas tecnologias e à inclusão digital, que "coisificou" muitos aspectos da comunicação. Isso tem contribuído para uma queda na qualidade do trato com a notícia, além da proliferação de fake news e da violência em diversas formas no ambiente digital.
Lançado em janeiro de 2025, um livro do ministro Alexandre de Moraes sobre os desafios para a defesa da democracia alerta para a falta de uma legislação que possa fiscalizar, à luz da lei, os desvios no exercício do jornalismo, causados pela errônea interpretação de que qualquer forma de comunicação pode ser compreendida como atividade jornalística. O tema é complexo, pois a obrigatoriedade do diploma para o exercício da profissão foi flexibilizada pelo STF, em razão da não recepção da antiga Lei de Imprensa. Atualmente, aguarda-se a tramitação de uma PEC que visa dar um novo direcionamento a essa discussão.
Outro ponto sensível é que o Congresso Nacional ainda não aprovou leis para regulamentar a atuação das “big techs”, que se apresentam como empresas de tecnologia e não de comunicação, escapando assim da responsabilização por danos causados a pessoas ou instituições por meio de postagens nas redes sociais. Diante desse cenário de instabilidade, a figura do profissional de comunicação bem preparado nunca se fez tão necessária. Muitos cursos técnicos e, principalmente, faculdades presenciais ou as oportunidades de bacharelado em Jornalismo na modalidade EAD podem formar profissionais que devem buscar registro junto à FENAJ e a outros órgãos de representação da classe, garantindo à sociedade uma atividade jornalística de qualidade.
A todos que se sentem atraídos pela apuração e transmissão de notícias, parabéns! Sejam bem-vindos a uma nobre arte de imensa importância para a sociedade. Não é correto criticar deliberadamente aqueles que criam portais, perfis e páginas na internet para noticiar, mas é fundamental que compreendam a necessidade de uma preparação adequada. Os mais bem preparados sempre encontram oportunidades de crescimento em seus espaços de atuação.
Diante dos desafios da assimilação de novas técnicas e abordagens nas redes sociais e de um ambiente de fiscalização excessivamente permissivo, o futuro da profissão de jornalista exige atitude e posicionamento dos trabalhadores e daqueles que desejam ingressar na área. Isso inclui uma boa formação, conduta profissional exemplar e respeito ao código de ética da classe, conciliando as transformações tecnológicas com a observância dos princípios fundamentais do jornalismo.
Por muito tempo, os grandes veículos de comunicação foram monopólios controlados pelo poder político e econômico. A luta contra esse monopólio ocorreu em diversas frentes, como o movimento de rádios comunitárias e outras iniciativas. A internet trouxe uma inclusão radical e uma democratização da informação, mas, em muitos aspectos, serviu a outros interesses, frequentemente voltados ao lucro de empresas sediadas em outros países. Essa situação apresenta pontos positivos, mas também inúmeros desafios, e é sobre esses desafios que refletimos neste texto.
Quando falamos próximo ao celular, logo aparecem postagens e propagandas relacionadas ao que mencionamos. Isso não é mágica, mas sim um direcionamento feito pelas empresas donas das redes sociais, que controlam o que deve ser exibido por meio de algoritmos. Ou seja, nossa navegação é orientada por interesses comerciais, revelando que o ambiente digital não é tão democrático quanto se pensa. Assim, criam-se bolhas e métodos duvidosos são utilizados para alcançar objetivos muitas vezes contrários à própria lei, colocando em risco a vida das pessoas e das instituições. Basta observar o aumento de casos de doenças mentais, depressão, discursos preconceituosos e outros problemas decorrentes desse novo cenário, que, apesar de irreversível, precisa de um mínimo de regulação para evitar o uso nocivo de seu grande potencial.
As redes sociais não substituirão o exercício do jornalismo, assim como a TV não substituiu o rádio. Como bem observa Renato Janine Ribeiro, a internet e as redes sociais não são o novo areópago grego. É essencial entender que as tecnologias devem ser aliadas das profissões, pois cada uma delas possui especificidades que requerem responsabilidade e preparo profissional. Frequentemente, ao acessar grupos de WhatsApp ou rolar o feed das redes sociais, nos deparamos com fotos ou vídeos de acontecimentos que se assemelham mais a fofocas do que a notícias verificadas. O que muitos buscam é engajamento, sem preocupação em seguir as premissas básicas do jornalismo, que envolvem responder às clássicas perguntas: "o quê, quando, onde, com quem, como e por quê".
Embora alguns perfis demonstrem um formato de qualidade, toda generalização é inadequada, e há conteúdos interessantes disponíveis. No entanto, ainda é necessária uma profunda reflexão sobre como a internet pode ser melhor utilizada, pois inúmeros casos de injustiças, linchamentos virtuais e até agressões físicas já foram registrados, sem que os responsáveis possam ser punidos devido ao anonimato ou à dificuldade de configurar juridicamente suas responsabilidades.
Outro fenômeno preocupante é a falta de checagem dos fatos por parte de muitos responsáveis por portais de notícias e outros produtores de conteúdo informativo. Embora a democratização do acesso à informação local seja essencial, o que se observa é a repetição de uma mesma notícia, copiada e colada várias vezes, muitas delas sem alterações substanciais. Não se busca mais detalhes nem se aplica a técnica investigativa própria do jornalismo. Como resultado, temos um jornalismo superficial, que não contribui para o esclarecimento dos fatos, a verificação das fontes nem o respeito às diferentes versões de uma mesma história.
Historicamente, o jornalismo profissional tem desempenhado um papel fundamental no auxílio às autoridades e à população na elucidação de crimes e na divulgação de informações de utilidade pública com credibilidade. No entanto, esse compromisso não interessa a quem visa apenas likes e engajamento.
O conceito de convergência de mídias surgiu para descrever a integração das plataformas de rádio, TV e imprensa escrita, e agora se estende ao ambiente digital. Isso é positivo e até necessário. Contudo, é importante diferenciar a prática jornalística, com sua formação técnica e rigor investigativo, da simples gravação de vídeos para redes sociais como Facebook, Instagram ou WhatsApp. Embora algumas pessoas possuam talento comunicativo e se tornem influenciadores digitais, isso não deve ser confundido com o exercício do jornalismo profissional.
Ao contrário do que alguns céticos acreditam, o jornalismo não está em extinção. O exercício da profissão exige uma formação técnica, profissional e humanística. Muito mais do que rostos bonitos, filtros e efeitos visuais, o verdadeiro jornalista trabalha a notícia de maneira responsável e profissional. A internet representa um novo espaço dentro da dinâmica da convergência de mídias, e todos são convidados a se profissionalizar, em respeito à sociedade e ao compromisso de bem informar.
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